Derivada dessa situação é natural que fiquemos em dúvida: o lockdown afeta o consumo de carne suína?
Alvimar JallesSeguir
9 Março 2021
Com mais uma onda de Covid-19 em curso em nosso país cresce a incerteza e com ela vem uma rodada de quedas nos preços da carne suína. Derivada dessa situação é natural que fiquemos em dúvida: o lockdown afeta o consumo de carne suína?
Desde março de 2020, quando tivemos o início de toda essa situação, sempre dissemos que “produtos essenciais reorganizam os canais de distribuição e continuam fluindo.” E foi exatamente isso que vimos no ano passado.
Assim que as incertezas iniciais se dissiparam no começo de maio de 2020, a carne suína teve seus preços impulsionados pelo consumo interno e as exportações (gráfico 1).
As exportações são detalhadamente conhecidas pelas pessoas familiarizadas com a cadeia da suinocultura e o consumo interno foi largamente impulsionado pelo auxílio emergencial, situação essa totalmente em linha com as informações de elasticidade de consumo/renda nas faixas salariais até R$ 3.000,0 (tabela 1), categoria diretamente beneficiada pela distribuição do auxílio emergencial do Governo Federal (tabela 2).
Toda essa combinação de fatores tornou 2020 um experimento econômico a céu aberto que deixou claro que mais renda em camadas populares se transformam em mais consumo de carne suína. As hipóteses foram largamente testadas e deram os resultados em linha com o conhecimento vigente. E ainda temos mais um campo a ser explorado: a trajetória da inflação de alimentos.
No Brasil de 2020 a partir do evento da Pandemia de Covid19 tivemos claramente uma dicotomia. Os setores ligados aos serviços, que representam 65% do PIB Produto Interno Bruto apresentaram baixo dinamismo e perdas. Já outros setores foram minimamente afetados e até beneficiados como o da alimentação, construção civil e comércio eletrônico.
Parte da alta da carne suína pode ser explicada pelo “empoçamento” de recursos. Quando o dinheiro circulante na economia fica impedido de se movimentar normalmente em determinados setores, esse fluxo se direciona para outros criando claramente perdedores e vencedores dentro do novo equilíbrio econômico.
E podemos afirmar com segurança isso que está sendo dito? Com qual métrica?
Podemos sim. Através de um gráfico de inflação setorial.
A história de inflação, sempre presente no Brasil, transformou nosso país em um especialista. Temos índices sobre tudo e todos. E é justamente medida de inflação que nos apresenta mais um viés que vale a pena discutir. Vamos a ele.
Quando observamos a inflação de 2020 veremos claramente que a inflação do consumidor foi bastante diferente do atacado e ao produtor e, dentro da inflação do consumidor, tivemos setores com alto nível de correção, os mais dinâmicos, e outros com lentidão.
Especificamente para nosso interesse o comparativo entre as inflações da “alimentação dentro do domicílio e fora do domicílio” é marcante (gráfico 2). Enquanto uma estava lenta, em linha com o setor de serviços, outra seguiu com grandes reajustes acompanhando o crescimento de preços das commodities em geral.
Se o consumo efetivo final da carne suína tivesse sido afetado pelo processo de isolamento social praticado em 2020 esse reajuste não teria acontecido. A flutuação de preços não seria respaldada pelo mercado interno e a curva do gráfico seria outra.
E em que ponto nos encontramos agora no início de março de 2021?
Estamos exatamente em uma nova onda de Covid-19 e a necessidade de lockdown é visível. Por sinal, é importante dizer que não é lockdown que prejudica a economia, é o vírus. Sem o lockdown a economia caminharia para uma situação mais grave e terminaria efetada de modo muita mais sério nos hospitais.
Dessa forma a história se repete: o crescimento da incerteza derruba os preços.
E essa derrubada dos preços é fruto da piora de consumo?
Não exatamente é a nossa hipótese.
Num primeiro momento, quando a incerteza cresce, todos os participantes da cadeia de produção diminuem seus pedidos, o que não quer dizer que há diminuição do consumo efetivo.
O acúmulo da diminuição dos pedidos gera drástica retração de “demanda aparente” que, associado ao alto grau de incerteza faz com que a oferta cresça, penalizando duplamente a formação de preços do lado do produtor de suíno. Esse é o primeiro ato.
O segundo ato ocorre quando, apesar do lockdown, a vida precisa buscar sua normalidade. Os “pedidos” retornam e a cadeia de produção volta a fluir.
É só nessa etapa que poderemos perceber os possíveis efeitos de maior ou menor renda na economia, que afeta o consumo, e também as consequências do aumento da produção de 2020 fruto da boa relação de troca do kg do suíno com o kg da ração do ano passado.
Não estamos assegurando qual será o futuro. Estamos apenas separando adequadamente quais são os eventos em curso no presente para clarear o entendimento.
Nesse momento é preciso ter calma e olhar direcionado para o que realmente importa e que faz diferença nas suas escolhas como gestor ou empresário da suinocultura.